Na lida do jornalista automotivo, o trabalho de testar carros diferentes a cada semana possibilita que você, no mínimo, aprenda a guiar bem, pelo menos para aquele cidadão que tiver um mínimo de dom para a coisa.
Como uma parte dos eventos de lançamentos é realizada em pistas fechadas, inclusive, geralmente até em autódromos, esse jornalista ganha o costume de pilotar no limite, até em razão da segurança proporcionada por ambientes controlados como as pistas de testes e os circuitos.
No meu início de carreira, eu trabalhava em uma publicação que avaliava os carros em pistas. Todos eles. Testava tudo: consumo urbano e rodoviário, acelerações, retomadas, nível de ruído, aceleração lateral, velocidade máxima e frenagens. Até capacidade de porta-malas.
Ganhei alguma habilidade para guiar rápido, embora eu percebesse, quando andava com jornalistas mais experientes, que eles tinham uma tocada “mais limpa”. Quando invertia os bancos de motorista e passageiro, eles diziam que eu era rápido, mas tinha uma pilotagem “mais suja”.
O teste do alce
Fui aprender o que isso significava com exatidão em 1997. Naquele ano, o “teste do alce” ficou mundialmente conhecido quando uma revista sueca divulgou – e aquilo teve repercussão mundial – que havia capotado o recém-lançado Mercedes Classe A, aquele mesmo modelo que viria a ser fabricado no Brasil. E pior: o carro teria tombado a módicos 60 km/h!
Esse teste era composto por uma fileira de cones em que o piloto de provas vinha trafegando pela faixa da direita. Ele simulava um desvio repentino e brusco pra esquerda e outro, logo em seguida, pra direita de novo. A ideia era reproduzir uma situação comum àquele país: você estava em uma rodovia escandinava e surgia um alce no meio da pista, exigindo o desvio imediato.
A Mercedes-Benz até atrasou o lançamento do carro e lotou o pequeno monovolume de recursos eletrônicos, com destaque para o controle de tração e estabilidade (ESP). Creio ter sido o primeiro carro nacional a tê-lo de série.
E reprogramou o lançamento para alguns meses depois. Como o Classe A também seria feito no Brasil, a marca levou um grupo de brasileiros à Alemanha para conhecer o resultado. Alugou um aeroclube nas redondezas de Stuttgart e montou uma série de testes dinâmicos para que nós, jornalistas, apurássemos o resultado das alterações eletrônicas no carro.
Tocada limpa ou suja?
Mas o que isso tem a ver com “tocada limpa ou suja”? Um dos carros tinha um dispositivo externo, espécie de computador de testes, que media a ação do ESP na curva do alce. E promoveu uma competição entre os coleguinhas da imprensa para ver quem faria a prova mais rápido. Sem derrubar nenhum cone, naturalmente.
Fiz o teste a 96 km/h. O equipamento fornecia uma fitinha impressa onde saía um gráfico com a ação do interventor eletrônico. O meu parecia um eletrocardiograma: as linhas eram um sobe-e-desce desgraçado, mostrando atuação incisiva da eletrônica na minha manobra, visto que eu executei a manrobra “brigando” todo o tempo com o volante. Entrei na primeira perna, golpeei o volante, a carroceria inclinou, eu corrigi, depois provoquei de novo…
Sem a eletrônica, certamente, o carro teria perdido aderência, derrapado e derrubado algum cone. Isso foi a tal da tocada SUJA. Você até anda rápido, mas sacrifica o carro, atuando fortemente no volante, abusando de freio, “brigando” com o carro, pendurando nos pneus e dependendo da eletrônica. O tempo “vem”. Mas é feio guiar assim.
Aí sentou no carro o meu amigo @fernandocalmonoficial. Ele conseguiu 93 km/h. Só que o cara fez a curva do alce sem usar o ESP. O gráfico era lisinho, sem ação da eletrônica!!! Imagine a precisão e a suavidade de prever a velocidade de entrada da fileira de cones, esterçar o volante com precisão, dosar o acelerador, passar rente aos cones e explorar ao máximo a aderência e a estabilidade do carro. Essa era a tal da tocada “LIMPA”.
Você conhecia a expressão “tocada limpa ou suja”? Escreva nos comentários!