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Coluna do Tio Edu

Conheça a estrutura de preços dos carros, incluindo margem da fabricante

Hora de voltar ao tema do porquê o preço dos carros é tão alto no Brasil. Vamos decompor a estrutura de preços em detalhes. Imagine que você pegue como exemplo um carro 1.0 de R$ ...

9 min de leitura

Hora de voltar ao tema do porquê o preço dos carros é tão alto no Brasil. Vamos decompor a estrutura de preços em detalhes. Imagine que você pegue como exemplo um carro 1.0 de R$ 124,7 mil de preço de venda. Você desonera os 24,7% de imposto:  seu preço real é R$ 100 mil.

Parto de uma entrevista que o empresário Sergio Habib deu ao (grande) jornalista João Anacleto, do canal A Roda, no YouTube. O custo de distribuição já abocanha 29 ou 30%. Inicialmente, aqui está embutida, com pequenas variações percentuais de uma marca a outra, a margem bruta da rede (10%).

Dentro desse percentual, a concessionária aufere seu lucro, paga a comissão do vendedor, dá jogo de tapetes e paga o café. Dentro desses 30%, você ainda inclui 2% com despesas com garantia, tipo a “revisão grátis” que é concedida ao cliente, mas paga ao concessionário.

JAC Hunter cinza, vista de frente, com piso de paralelepípedo e vidro aberto
JAC Hunter [Auto+/ Felipe Yamauchi]

Já os valores referentes a logística equivalem a 3%, isto é, o movimento de trazer todas as peças para dentro da planta (inbound) e depois tirar o carro pronto do pátio e levá-lo até a concessionaria (outbound). A próxima despesa chama-se meio comercial variável, ou seja, tudo aquilo que está relacionado às despesas promocionais caracterizadas como bônus, descontos, taxa zero etc. Isso dá cerca de 5%.

E é um valor que, costumeiramente, a loja pode ou não repassar ao consumidor. Você ainda precisa incorporar 5% de investimentos em marketing e 4% de despesas financeiras com trâmites relacionados ao fluxo de notas fiscais que entram e saem. Tudo isso dá por volta de 30%. Sobram 70%.

Citroën Basalt Shine [Auto+ / João Brigato]
Citroën Basalt Shine [Auto+ / João Brigato]

De acordo com Habib, o custo agregado da planta industrial é mais 5%. Isso engloba estampar as peças de aço, soldá-las, armar a carroceria, pintá-la e montar todos os agregados mecânicos e eletrônicos, aqui incluído todo o custo da mão de obra, energia elétrica etc. Tudo tudo. Cai pra 65%.

Agora vamos somar todos os componentes mecânicos, eletrônicos, bobinas de aço, vidros, plásticos e borrachas, ou seja, tudo aquilo que a montadora compra de fornecedores de autopeças: 55%.

Honda City Sedan Touring [Camila Torres / Auto+]

Sobra 10%. Milad Kalume Neto, um dos mais respeitados consultores do mercado automotivo, amplia esse leque. “Na prática, dependendo do carro, da montadora e da época em que se faz essa análise, essa margem varia de 6% a 12% em modelos de entrada”, garante.

Isso no exemplo que adotei, de um carro de R$ 100 mil sem os impostos. Quanto mais caro for esse carro, maior também será a margem, visto que os modelos de categorias premium “aceitam” preços finais mais dilatados e alguns custos serão “congelados” frente aos modelos de entrada (marketing, despesas financeiras, logística etc) – e percentualmente menores, portanto, de acordo com a dona Matemática.

Jeep Commander cinza parado de frente com as rodas dianteiras viradas
Jeep Commander Longitude T270 [Auto+Rafael Dea]

Explicando melhor: o custo de despesas financeiras é o mesmo nos trâmites de emissão de notas para carros de preços entre R$ 100 mil e R$ 200 mil. Se ele é de 4% para um carro de entrada (R$ 100 mil), será de 2% para um modelo médio de luxo (R$ 200 mil). O saldo de 2% vira margem – entendeu agora por que não existe mais carro popular no Brasil?

Mas tem a margem das peças

Habib também informa que a margem obtida nas peças de reposição de qualquer marca de volume paga todas as suas despesas operacionais. Quem já não teve a experiência desagradável de encostar o umbigo no balcão de peças de uma revenda?

Jeep Compass Limited flex branco com teto preto parado de frente em um estacionamento
Jeep Compass Limited flex [Auto+ / João Brigato]

Dá vontade de chorar o tanto que qualquer parafusinho custa uma fortuna. Ou, algo mais comum a qualquer motorista, ter de pagar os valores referentes às revisões de seu seminovo, que irão incluir as peças “originais”. É um disparate o quanto isso é oneroso.

10% tá bom ou não tá?

Confessadamente, eu não tenho opinião definitiva para cravar se os 10% de margem estão muito acima ou muito abaixo de outros produtos manufaturados. Por puro achismo, direi que a complexidade de fabricar um carro, com todas as etapas anteriores de pesquisar mercado, ouvir clientes, desenhar e definir um novo produto – mais o emaranhado de alguns milhares de componentes que têm que ser projetados e entregues na linha de montagem just in time –, me induz a crer que é… pouco.

Ram 1500 Laramie [Auto+ / Rafael Pocci Déa]

Compare com a produção de um smartphone. Uma rápida pesquisa na imprensa aponta a margem de 20% para os fabricantes, considerando que a quantidade de fornecedores é infinitamente reduzida frente ao automóvel – no caso de eletroeletrônicos, faz-se óbvio supor que as “eletropeças” têm custo irrisório.

A grande despesa está no custo de desenvolvimento, o que elucida também a informação de que os grandes engenheiros e cientistas não atuam mais na indústria automobilística. Esses caras migraram para as fábricas de gadgets e, principalmente, para as “techs”.

BYD Dolphin GS preto de frente no meio de uma rua
BYD Dolphin GS [Auto+ / João Brigato]

Imagine que as fábricas de automóveis, que lidam com altíssimas taxas de risco – elas investem no mínimo US$ 500 milhões na criação de um novo automóvel e, de repente, o público o rejeita –, possuem um parque instalado gigante e complexo, atuam em um segmento com mais de 50 players (e isso sem contar os chineses que vêm aí…), empregam milhares de trabalhadores, negociam com milhares de fornecedores, nomeiam centenas de concessionários para atuarem em todo o país… para ganharem só 10% no final de todo esse périplo?

E para que serve todo esse raciocínio?

As fábricas são coitadas?

Não. Óbvio que não. Há outra importante fonte de receita, como vimos, que é a que vem das peças para o aftermarket. A Ford foi embora porque perdia dinheiro. Mas as outras 20 e poucas montadoras ainda estão produzindo. Ademais, o impacto social causado pela instalação de uma fábrica é gigantesco em qualquer região, o que faz com essas empresas tenham generosos incentivos de governos para compor o preço dos carros.

Ford Mustang GT está entre está entre Vencedores do Prêmio UOL Carros 2024 
Ford Mustang GT [Auto+ / Rafael Pocci Dea]

Houve aumento real durante a pandemia?

De acordo com o Ricardo Bacellar, consultor, um dos mais importantes experts desse setor, essa perversa cobrança de impostos sobre o preço dos carros sempre existiu, mas vale lembrar que as montadoras reajustaram os valores muito acima da inflação em um passado recente.

“Seguramente os reflexos onerosos que a COVID-19 trouxe para a infraestrutura logística global, câmbio, preço de commodities e preço da energia elétrica, sem falar na crise dos semicondutores, tiveram um peso diferenciado na escalada assustadora dos preços dos produtos”, explica. Acho (apenas acho) que aqui também se repôs margem.

Jeep Renegade Sport Altitude parado de dianteira em frente a um portão branco
Jeep Renegade Sport Altitude [Auto+/Rafael Dea]

E na comparação com outros países?

Fora do Brasil, o impacto do custo das autopeças e da mão de obra é maior. Aqui os salários dos operários são menores e os componentes, mais baratos. Mas o Custo Brasil compensa negativamente essa vantagem, dadas as ineficiências logísticas (isso encarece a produção) e o complexo quebra-cabeças tributário (você precisa de uma legião de contabilistas para entender a encrenca toda).

E a economia de escala

O custo de acesso ao crédito restringe a economia de escala. Explico: temos parque instalado para produzir praticamente o dobro do que estamos fabricando. “Sem escala é impossível arcar com os custos financeiros e administrativos”, destaca Flavio Padovan, presidente da REVO, que é uma empresa transformadora de veículos (viaturas policiais, ambulâncias etc), que já trabalhou em Jaguar Land Rover, Subaru, Volks e Ford.

Jaguar F-Pace R-Dynamic SE [Auto+ / João Brigato] Jaguar encerra importação de carros novos no Brasil
Jaguar F-Pace R-Dynamic SE [Auto+ / João Brigato]

“Com isso se reduz os custos com investimentos em desenvolvimento e na produção, utilizando plataformas comuns, racionalizando componentes e buscando comprar maiores quantidades com menores preços dos fornecedores”. Enquanto isso não ocorre, a rentabilidade padece.

Dá para esquecer do imposto?

Para Bacellar, “o governo, que propaga como uma de suas bandeiras retomar a pujança da indústria nacional, deveria considerar reduzir de forma drástica este patamar de impostos, assim como os argentinos, e passar a recolher muito mais impostos pelo volume de vendas e não pelas unidades”.

Ram Rampage Laramie 2.2 cinza parada de frente com árvores ao fundo
Ram Rampage Laramie 2.2 [Foto: Auto+ / Rafael Pocci Dea]

Protecionismo também atrapalha?

Citei recentemente o que houve com o Jeep Commander de um ano para cá. Alvo da concorrência direta com SUVs eletrificados vindos da China, seu preço de lista caiu R$ 13 mil. Já a Ram Rampage, sem rivais chinesas, compartilha a mesma plataforma e diversos itens mecânicos, além de ser produzida na mesma planta industrial da Jeep. Ficou R$ 15 mil mais cara. 

Torço pela sugestão dada pelo Bacellar mas me parece improvável que o governo federal irá algum dia abrir mão da receita de 25% a 45% de carga tributária na venda de um automóvel. Desde o governo FHC eu ouço esse pleito dos fabricantes. Não vai reduzir e pronto, tanto que a reforma tributária tende a incluir os automóveis no “imposto do pecado”, ou seja, essa carga vai até aumentar.

ford f-150 vermelha de frente
Ford F-150 Lariat Black [Auto+ / João Brigato]

Solução?

Dá-lhe maior concorrência. Você, consumidor, devia torcer por isso.


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    5 comentários em “Conheça a estrutura de preços dos carros, incluindo margem da fabricante”

    1. Edmon

      Mais uma vez esse colunista tentando dizer que as montadoras são coitadinhas. As margens de lucro no Brasil seguem sendo maiores do que a média mundial, financiadas pela qualidade inferior dos produtos automotivos brasileiros.
      Além disso, toda montadora no Brasil se finge de pobre pra conseguir dinheiro barato.
      Todas elas se aproveitam de financiamentos públicos com taxas baixíssimas, e reinvestem esse dinheiro em investimentos rentistas de renda fixa com taxas altíssimas. Na verdade, todo esse dinheiro já existia em caixa e elas aproveitam para lucrar em cima do dinheiro público (um lucro que é maior ainda do que a margem já altíssima). Esse "pequeno" detalhe foi convenientemente ignorado pelo texto.
      É um esquema oligárquico apoiado por todo e qualquer governo federal de qualquer alinhamento político.

    2. Eduardo Pincigher

      Acho que houve um problema de interpretação. Ou vc leu muito rápido. Há até um item que diz que as montadoras não são coitadas. A ideia do texto é mostrar que o governo fatura mais que o próprio fabricante. E isso é um absurdo.

      • Edmon

        Não é pq você falou que não acha que as montadoras são coitadas que a semiótica do texto siga essa afirmação. Desde o seu último texto, há claramente uma vontade de defender as montadoras e demonizar os impostos. É absurdamente óbvio que os impostos no Brasil são altíssimos, mas também não é justo fingir que os lucros no Brasil não são absurdamente altos e maiores do que a média mundial. E no final lucro é lucro, é percentual, independentemente da composição final dos preços. E isso é possível pq o mercado brasileiro é permissivo a preços altos pq as montadoras gostam de colocar a culpa exclusivamente nos impostos.
        E esses dois pontos (lucros acima da média mundial e montadoras sempre aumentando culpando os impostos) são convenientemente ignorados na sua análise.
        Eu sou, acima de tudo, totalmente contrário à defesa incondicional de empresas bilionárias com milhares de pessoas capazes de contornar quase todas as disfunções citadas no texto. Mas as montadoras não têm interesse nisso, pq o que querem mesmo é aumentar os preços e o lucro, brincando com o fantasma dos impostos.
        E também, obviamente, ignorar o tanto que as montadoras lucram em cima dos juros baixos dos bancos públicos, enquanto deixam dinheiro rendendo em renda fixa acima da sua margem de lucro (dinheiro que deveria ser destinado a investimentos para gerar empregos) demonstra que não há conhecimento profundo sobre a composição dos preços de carros no Brasil.

    3. Eduardo Pincigher

      O seu discurso é muito bem montado. Mas ta cheio de achismos. Eu fiz um trabalho jornalístico, embora vc o descredencie com as suas opiniões. Discorde do texto, critique. Mas não me ofenda. Falo numa boa. A minha única vontade é colocar na cabeça de leitores que os impostos nos EUA são de 6%. Aqui, variam de 25 a 45%. Vc pode até jurar que os lucros aqui são maiores, apesar de não ter meio nenhum pra comprovar isso. Mas a matemática não mente: os impostos aqui são 4, 5, 7 vezes maiores que lá fora. Esse é o grande disparate. Suponha que a margem nos EUA seja de 8 ou 9%. E aqui, 20%, caso tudo o que eu escrevi esteja errado. Isso é o dobro. Mas não 7 vezes maior.

      • Edmon

        Eu tenho como comprovar tudo que falei, mas por responsabilidade jurídica não posso falar como. Sei que isso é um argumento muitíssimo idiota da minha parte, mas é a verdade. First hand evidence.
        E mais: a depender da versão do carro, alguns veículos nacionais chegam a ter 35% de margem de lucro (normalmente versões com powertrain de entrada e muitos opcionais).
        E em que momento eu te ofendi? Eu também esperava estar falando numa boa, sobre os pontos citados no texto. Não é pq eu discordo de toda a abordagem que eu estou automaticamente te ofendendo. Me desculpe =)

    Os comentários estão encerrado.

    Edu Pincigher

    Eduardo Pincigher é jornalista formado pela PUC-SP e atua no setor automotivo desde 1989, sendo o autor da Coluna do Tio Edu com textos divertidos sobre o presente e passado do setor automotivo. Com passagens em diversas publicações e montadoras, hoje trabalha como assessor de imprensa e consultor de diversas empresas

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