
Mais de 20 anos atrás, eu estava perambulando pelo Autoshow Veículos Antigos e Especiais, um evento que reunia colecionadores e apaixonados por carros antigos, realizado no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, nas noites de terça-feira. Quando me deparo com uma station de uma marca que jamais havia visto.
Ela não tinha nenhum logotipo e o dono não estava no carro. Fotografei o modelo e fui atrás dos entendidos. Para encurtar a história: era um carro alemão, chamado Borgward Isabella, feito nos anos 50. Eu nunca tinha ouvido falar em Isabella. Muito menos em Borgward. Você já?
Quer ver outra? Estava lendo dias atrás um artigo sobre a indústria automobilística americana e os efeitos danosos causados pela Primeira Guerra Mundial (1917-1918) e depois pela Grande Depressão, em 1929. Você faz ideia de quantas montadoras foram pelo ralo nesse período? Alguma vaga ideia? Pois foram mais de 3 mil marcas que faliram. E só nos EUA.
Olha como o passado da indústria automobilística é riquíssimo! Dei esses dois exemplos para ilustrar o quanto esses cerca de 140 anos (mais ou menos) são grandiosos, complexos, cheios de facetas e fatos. Pois será um pouquinho desse tema que abordarei hoje. Dá para imaginar quanta coisa importante ficou pra trás e a gente nunca nem ouviu falar?

As marcas que a gente nunca nem ouviu em falar
Como jamais fui expert em antigomobilismo, fui atrás de cinco sujeitos que conhecem muito, mas muito mais do que eu, a respeito do tema. E fiz a seguinte pergunta: quais as cinco marcas mais importantes de automóveis que deixaram de existir?
Falei com Boris Feldman, Jason Vogel, Ricardo Mora, Felipe Bitu e Fábio Pagotto. Mesclando a lista inicial com as opiniões dos entendidos, a relação final ficou assim: Cord, Duesenberg, Hispano Suiza, Isotta Fraschini e Packard. A seguir, eu conto um pouco da história dessas marcas.
Cord
Primeira marca norte-americana a adotar a tração dianteira, em 1929, a Cord tinha como fundador Errett Lobban Cord, um verdadeiro visionário. Insistia na tese de que a massificação do automóvel passaria pela receita da “tração dianteira e juntas homocinéticas”, algo que ele executou em seu modelo L-29, que concorria, à época, com a Cadillac.
Usava motor de 8 cilindros em linha com 125 cv. Mas sucumbiu à Crise de 1929 e acabou vendendo um número decepcionante de unidades nos três anos em que foi produzido (cerca de 5 mil veículos).

Pois é aí que surge o grande Cord da história, em 1936: o 810. A lista de inovações foi majestosa: suspensão dianteira independente, a frente não tinha a tradicional grade do radiador, mas aletas laterais no capô, e a carroceria dispensava os estribos laterais.
Os faróis eram escamoteáveis (inspirados no avião Stinson), as lanternas traseiras tinham controle de intensidade, havia portinhola para recobrir o bocal do tanque de gasolina. Ele ainda ganharia uma versão com compressor do V8 em linha, levando-o a 170 cv. A propaganda de época dizia: “Quem ultrapassa um Cord sabe que só o faz com a permissão do motorista do Cord”.

DUESENBERG
Nascida em 1913 nos EUA, a Duesenberg ganhou fama rapidamente pela construção de carros potentes e de luxo. Mas foi somente em 1921 que a marca decolou, quando Mr. Cord (o mesmo da marca mencionada acima) ofereceu as linhas de montagem de sua fábrica para robustecer a produção e viabilizar a participação da Duesy em corridas.
Ela venceu Le Mans naquele mesmo ano e as 24 Horas de Indianapolis em 1924, 1925 e 1927. Já disse em algum momento que essa é uma das poucas marcas que me encantam no período do Pré-Guerra. Nos anos 20 e 30, ela produzia modelos belíssimos, já com preocupações aerodinâmicas – o que era raro nesse período – e com mais de 250 cv.

O Duesenberg J, por exemplo, cravava 265 cv em um 8-linha, com duplo comando e 4 válvulas por cilindro. Isso em 1929! Já o SJ, criado na década seguinte, apanhava a receita de seu antecessor e o equipava com um compressor mecânico, elevando a potência para 320 cv.
Nesse período, a fama herdada nas competições e a qualidade de acabamento dos modelos Duesenberg os colocavam nas mãos dos astros de Hollywood. Eles custavam 30% mais caro que Rolls-Royce!

HISPANO SUIZA
O suíço Marc Birkgt, radicado na Espanha, tinha o sonho de construir um carro elétrico na década de 10, quando trabalhava numa pequena montadora espanhola chamada La Cuadra. Mas logo desistiu e mergulhou nos motores a gasolina.
Para sua sorte, os primeiros modelos produzidos por sua fábrica caíram no gosto do Rei Alfonso XIII, da Espanha, que se tornou grande incentivador da HS. E ele não deixava por menos: desde o início, sua proposta era construir automóveis tão sofisticados, velozes e refinados como a britânica Rolls-Royce.

Ele levou sua planta industrial da Espanha para a França, a fim de internacionalizar mais a produção dos Hispano Suiza. Durante a Primeira Guerra Mundial, a fábrica alterou sua produção e passou a fazer motores aeronáuticos, bastante apreciados pelos governos francês e britânico.
A produção de automóveis reapareceria em 1919. Só em 1930, contudo, surgiria um produto que seria a grande estrela da história da marca: o HB6, que nasceria com motor de 6,6 litros, comando de válvulas no cabeçote, duas velas por cilindro, bloco e cabeçote fundidos em liga leve, e 135 cv de potência.

Seu sucessor, o H6C, chegaria em 1932 com um V12 de 9,4 litros, que rendia 220 cv. Ele ainda ganharia maior cilindrada anos depois, chegando a 11,3 litros e 250 cv.
A marca começou a sucumbir quando seu grande incentivador foi destituído, com a saída do monarca e o início da ditadura Franco, em 1939. Em 1946, vendeu seus ativos para a ENASA, embora a filial francesa continuasse na ativa, mas atuando no setor aeronáutico.
ISOTTA FRASCHINI
Fundada em Milão, Itália, em 1900, era, inicialmente, uma agência de carros e oficina. A empresa tinha a representação da francesa Renault, por exemplo. Mas o desejo e construir seus próprios automóveis esportivos não tardou a acontecer. Teve seu apogeu nos anos 20, quando produziu o Tipo 8.
Esse modelo adotava o primeiro motor de 8 cilindros produzido na Itália e, a exemplo da Hispano Suiza, tinha o mérito da excepcional qualidade de acabamento que a colocava como rival de Rolls Royce na época. Fez também caminhões e motores para aviação. Abandonou a produção de carros em 1927 e, desde então, tentou retornar diversas vezes, até em tentativas mais recentes.

PACKARD
Sabe aquela história que envolve Ferrucio Lamborghini, quando compra sua primeira Ferrari e é maltratado por Enzo Ferrari ao tentar sugerir mudanças técnicas? Pois o início da Packard é bem semelhante. James Packard era dono de um Winton. E não estava nada satisfeito com o desempenho de seu carro.
Mandou uma carta ao dono da fabricante e foi sonoramente esnobado. Pois ele criou coragem e fundou sua própria montadora. A marca nasceu na virada do século, mas começou a ganhar notoriedade com os primeiros motores de seis cilindros nos anos 20.

Na década seguinte, entretanto, a Packard não abriria mão dos V12, que eram usados em modelos cupê, sedãs e conversíveis. Esse motor tinha bloco de ferro fundido e cabeçotes em alumínio, deslocando 7,3 litros e rendendo 160 cv.
Ao longo de sua história, a Packard produziu ainda motores de 1, 2, 4 e 8 cilindros. Parecia a grande paixão dos projetistas: os motores. Ela não se recuperou após a guerra e fechou as portas no final dos anos 50, quando já havia se fundido à Studebaker, mas não conseguiu continuar concorrendo com as gigantes General Motors e Ford.

Você conhecia a história desses fabricantes? Compartilhe nos comentários!