Nos anos 90, sem internet, você conhecia os supercarros lá de fora quando ia viajar para algum Salão. Ou quando chegava pelos Correios a edição anual do “Tutto Le Auto del Mondo”, da revista italiana Quattroruote. Era um livrão de centenas de páginas que continha fotos e fichas técnicas de, obviamente, todos os carros do mundo.
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Havia um modelo que me intrigava. Chamado Dauer 962, ele era uma cópia dos míticos Porsche 962, que haviam vencido as 24 Horas de Le Mans ininterruptamente entre 1981 e 1987. Imagina o que é isso?
Essa Dauer Racing nada mais era do que uma equipe de competição que produzia um carro homologado pra rua e baseado no 962. E que havia vencido Le Mans no ano anterior exatamente com um carro desses.
A versão de rua era equipada com um motor boxer de seis cilindros, 3 litros, biturbo, de 720 cv. Detalhe: se a potência não lhe parece tão assustadora hoje, o peso do carro parecia de Uno: 1.130 kg. Resultado: ele fazia 0 a 100 km/h em 2,8 segundos. E 0 a 200 km/h em pouco mais de 7 segundos.
Comecei a trocar fax com a fábrica, sediada em Nuremberg, Alemanha, e agendei uma reportagem. O ano era 1995 e eu havia sido destacado pra cobrir o Salão de Frankfurt daquele ano. Desembarquei na porta da Dauer todo pimpão, depois de uma viagem de 170 km em menos de 1h30. Consegui um BMW 325i da frota da marca alemã e havia acabado de derretê-lo nas autobahnen (rodovias alemãs onde não há limite de velocidade).
O racha com uma Ferrari
Cheguei, fotografei, papeei, entrevistei o diretor da fábrica e saí pra andar no carro. O piloto de provas, Hans %$@#&, havia sido corredor de endurance. E era um alemão com jeitão bem latino, conforme logo eu descobriria.
Estamos numa autobahn a 270 km/h. Ele encosta atrás de uma Ferrari 348. Talvez a única vendida até hoje na Alemanha. O fulano cisma de acelerar. O Hans sorri e garante: “ele vai parar a 290 km/h. Essa scheisse não passa disso”.
É, amigo. A 348 foi a 290 km/h. E não deu passagem. Pê da vida, o Hans abre o booster do 962 para 1 kg de pressão e reduz uma marcha. Cola na traseira da Ferrari, pega o vácuo, sai pela direita, emparelha, xinga, gesticula, esbraveja… E “despacha” a Ferrari. Chega a 330 km/h – a máxima declarada do 962 era 403 km/h.
E eu ali, esfregando o ombro no Hans, já que o carro era um biposto originalmente concebido como monoposto. O detalhe é que o habitáculo era avançado e você tinha a sensação (correta, aliás) que seus pés ficavam à frente do eixo dianteiro, quase encostados lá no para-choque. E o cara já tinha andado no vácuo de uma 348 a quase 300 km/h…
Habilidade ao volante
Claro que o Hans era hábil. Mas percebi, pela primeira e única vez na vida, que as estradas alemãs eram cheias de bumps. Andando na velocidade normal que eles tocam, a 200 ou 220 km/h, em carros com suspensões macias, você nem percebe. Mas vai andar de co-piloto do Hans a mais de 300 km/h!
30 ou 35 km depois de ter saído de Nuremberg, o Hans retorna. Era a minha chance de pedir pra guiar. Ele reluta, mas eu insisto. “Sei não. Esse carro é muito bruto”, dizia. Argumentei que era piloto de Endurance como ele. Isso era verdade.
Eu realmente havia andado nas Mil Milhas de Interlagos em 1994. O Hans nunca tinha ouvido falar de VW Voyage, mas isso era um mero detalhe, até mesmo porque me pus a descrever como era a versão de pista do simpático sedã da família BX da VW e, digamos, exagerei um pouco na potência. “Tem uns 450 cv”.
Minha vez de andar a 300 km/h
Acabou colando. Eis que saio acelerando aquele demônio, observando o quanto o pedal de embreagem era duro e com curso minúsculo. Você tirava o carro do lugar acima de 3 ou 4 mil rpm. Nunca guiei (e nunca mais vou guiar) um carro com engates de marchas tão curtos – você nem movimentava o braço, mas só a munheca.
Além de colher a sensação de pilotar um autêntico carro de corrida pra escrever a reportagem para a revista Motor Show, eu tinha um desafio pessoal: passar dos 300 km/h. Havia andado a quase 260 km/h em um Honda NSX, mas na pista do aeroporto de Viracopos. Como ela era muito larga, você não adquiria a mesma sensação da altíssima velocidade.
Pra encurtar a história: até onde o suor das mãos permitiu, eu consegui passar dos 300 km/h. Mantive 310 km/h por 3 ou 4 segundos. E até fiz uma curva bem suave – uma reta torta, na verdade.
Lembro que você tinha que desenhar a manobra no volante com notável cuidado e centenas de metros antes. Algo indescritível é andar a 300 km/h… Você muda totalmente o referencial de observação da estrada e fica proibido de fazer qualquer movimento brusco. Até para desacelerar eu fazia movimentos progressivos.
“Aposto que o Voyage não faz tudo isso”, ironizou o Hans. Não, não faz mesmo. O Voyage das Mil Milhas chegava exatamente 201,5 km/h na freada do S do Senna do Autódromo de Interlagos e tinha, se tanto, uns 200 cv. Mas essa já é história para uma próxima coluna).
Por Edu Pincigher
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